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O que falta regulamentar?

Faltam as portarias relativas aos ciclos de estudos e a portaria relativa ao processo de transição das actuais escolas de terapêuticas não convencionais.

Parece simples, mas não é.

Para que se perceba bem esta questão é necessário dar uns passos atrás e ver o quadro geral. De acordo com a Lei 71/2013 que vem regular a Lei 45/2003, nomeadamente no seu artigo 5º, está definido que o acesso ás profissões de Acupunctor, Especialista de Medicina Tradicional Chinesa, Fitoterapeuta, Homeopata, Naturopata, Osteopata e Quiropratico, dependem do grau de licenciado. Esta lei refere ainda que aspectos como a tipologia de ciclo de estudos, ou seja, se são ciclos de licenciatura de 180ECTS (créditos) com 3 anos de duração ou se são de 240ECTS com 4 anos de duração ou se serão ministrados em ensino universitário ou politécnico, por exemplo, seriam tratados em sede de portaria própria a publicar até Março de 2014. No entanto, até à data, estas portarias ainda não foram publicadas, apesar de já terem sido preparadas versões das mesmas e enviadas pelo Ministério da Educação para consulta junto de várias entidades oficiais ligadas na sua maioria ao ensino superior. A propósito, convém desde já sublinhar que neste processo de consulta promovido pelo Ministério da Educação, é de lamentar que o mesmo não tenha envolvido as entidades que têm desenvolvido a formação destes profissionais até à data, nomeadamente as escolas de regime jurídico não superior, previstas aliás na lei 71 como adiante explicarei. O resultado desta consulta ainda não é conhecido, pelo menos não oficialmente, tal como não são ainda conhecidas, pelo menos não oficialmente, as diversas propostas de ciclo de estudos, seja na versão pré-consulta como na versão pós-consulta.

Em qualquer caso há preocupações que devem ser sublinhadas e, se não tiverem sido acauteladas nestas propostas, deverão ser corrigidas antes de efectivamente publicadas.

Em primeiro lugar a tipologia de ciclo de estudos, ou seja, estes devem ser de 4 anos lectivos, com 240 ECTS. As razões que assistem a este facto são simples e decorrem da aplicação directa dos pressupostos já publicados na Lei 45/2003 e na Lei 71/2013, nomeadamente quando se atribui a estes profissionais competências de diagnóstico, terapêutica e prognóstico, de forma autónoma e diferenciada dos demais profissionais de saúde, inclusive dos profissionais de medicina convencional. Além deste aspecto é importante referir que a estes profissionais foram ainda atribuídas responsabilidades no sentido de procederem a investigação científica, sendo que esta competência só é possível com ciclos de estudo mais robustos, fora do âmbito dos ciclos de estudos de apenas 180 ECTS, como é evidente, ainda por cima numa área que carece de mais evidência científica, como preconizado pela OMS e tratado neste post.

Em segundo lugar, a questão das provas de acesso, tanto do seu número como nos temas. Primeiro quanto ao número de provas. Apenas o curso de Medicina tem mais de duas provas de acesso, tendo todos os outros cursos na área da saúde apenas duas provas. Esta não é uma questão de somenos importância, pois se se está a colocar estas profissões a um nível inferior do curso de Medicina, que haja coerência. Em segundo quanto aos temas. Naturalmente que para um curso de saúde faz sentido ter a Biologia como uma das provas, mas também faz sentido permitir o acesso a alunos das áreas humanisticas, com uma prova de Filosofia por exemplo, pois as TNC, tal como referido na lei de enquadramento das mesmas têm uma base filosófica distinta da medicina convencional e, nesse sentido, é fundamental que entre os seus estudantes não se contem somente candidatos das áreas das ciências exactas mas também das áreas do pensamento divergente, sociológico, filosófico, histórico e contemporâneo. Ainda dentro deste tema convém sublinhar que deverá caber às instituições de ensino a definição da tipologia de prova de acesso para posterior ratificação da tutela e não ao Ministério da tutela ou organismos da sua esfera de influência.

Naturalmente que se espera ainda que estas portarias não pequem por excesso, ou seja, que retirem às instituições de ensino a sua autonomia cientifica e pedagógica no sentido da definição dos conteúdos e planos de estudos, pois são estas que detêm a competência técnica, científica e pedagógica para a definição dos mesmos e não o Ministério da tutela, por mais consultas que se possam fazer. Assim, do Ministério não se espera mais do que orientações e definições de áreas de estudo gerais, sem indicações fechadas sobre entrar esta ou aquela disciplina.

Falta ainda apresentar a problemática do modelo de transição a aplicar às escolas de regime jurídico não superior que desenvolvem formação nas áreas das TNC, tal como previsto na Lei 71/2013, artigo 19ª – Regime Transitório, ponto 6, onde está escrito que estas escolas “dispõem de um período não superior a cinco anos para efeitos de adaptação ao regime jurídico das instituições de ensino superior, nos termos a regulamentar pelo Governo em legislação especial.” Este é um tema da maior importância para todos aqueles alunos que se encontram a estudar nestas escolas actualmente ou que terminaram os seus estudos após 2013. Naturalmente que se espera ainda que sejam clarificados os critérios para aferir quais as escolas que se encontram “legalmente estabelecidas” como referido na lei, para que não aconteçam situações como ter instituições de regime jurídico associativo “sem fins lucrativos” que se autodenominam “escolas”, sem ter qualquer tipo de certificação e reconhecimento como entidade formadora pelo Estado Português e se encontram há vários anos, nalguns casos, a operar sem qualquer sistema regulador, auto imposto ou não, em clara concorrência desleal com aquelas que sempre procuraram uma auto-regulação e uma defesa da qualidade do ensino nas suas áreas de actuação. Entidades que usam designações exclusivas do ensino superior, como “universidade” ou “instituto superior” e outras designações semelhantes, de forma impune, apesar de estar bem definido na legislação portuguesa que não o podem fazer e quais as sanções aplicadas – sem me esforçar lembro-me imediatamente da antiga ESBS – Escola Superior de Biologia e Saúde que foi fechada por ordem ministerial (veja a história aqui), mas há outras e ainda a operar no mercado, é uma questão de procurar. Este terá que ser um processo rigoroso, sob pena de se premiar instituições que nada fizeram em prol do desenvolvimento sério das TNC, antes pelo contrário, contribuindo em muito para o seu descrédito e má preparação de profissionais.

Espera-se ainda que se clarifique a forma como irá o mercado do ensino superior privado funcionar, nomeadamente, definindo critérios que promovam a igualdade de circunstâncias concorrenciais entre instituições de ensino superior já estabelecidas e estas escolas que serão alvo de um regime de transição. Quanto a este tópico irei aprofundar noutro post uma posição que venho defendendo há vários anos – o modelo de ensino colaborativo entre instituições de ensino superior e não superior. Modelo este que julgo ser o que mais poupança de recursos traz, o que mais eficiência promove e que mais beneficia alunos e futuros utilizadores. Não tenho dados oficiais ou estatísticos que secundem esta minha convicção mas apresentarei os meus argumentos e terei o maior gosto em debater ideias sobre o tema.

Estes assuntos estão na agenda política da Assembleia da República, como pode ser verificado neste conjunto de perguntas enviadas pelo grupo parlamentar do Partido Socialista ao Mistério da Educação. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

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